Muitos amigos dizem que sou pessimista. Mas se pessimista de fato fosse, nem levantava da cama de manhã após ler o jornal.
Não
espero ou torço para que coisas ruins aconteçam, elas simplesmente
surgem. Como o Godzila ou uma dose de St. Remy. Prefiro me considerar,
portanto, um realista cético e levemente cínico.
Não me entendam mal, por favor, não sou preconceituoso. Até tenho amigos otimistas.
Mas,
ao mesmo tempo, sinto um sentimento arrogante, daqueles bem quentinhos,
quando vejo alguém acreditando em promessas tão palpáveis quanto o
gnomo vegano que come a maçã esquecida na cozinha.
Ou a mulher de branco que vive nos banheiros de escolas de ensino fundamental do interior.
Como
jornalista, já vi o bastante desta vida para ter severas dúvidas sobre o
poder do pensamento positivo. Não, gente, não adianta mentalizar que as
coisas não vão, necessariamente, acontecer. O segredo é que não há
Segredo.
As pessoas dão crédito demais para isso, mas é quase a
mesma lógica das jornadas de cura de algumas igrejas: você, que está
doente, reza e traz o dízimo. Se curar (o que acontece em boa parte das
vezes graças ao seu santo sistema imunológico, fruto de milhões de anos
de adaptação evolutiva), o mérito é da igreja.
Se não curar, você que não teve fé ou não (se) doou o bastante.
Do
meu ponto de vista, jornalista tem o dever de analisar as coisas por
uma ótica “olha, caro governante, seu plano é lindo, mas se você inserir
na história uma meia dúzia de anões ou um alce falante, não vira conto
de fada?”
Dia desses, ouvi de uma colega na TV que nosso objetivo deveria ser “plantar sonhos” #vergonhalheia #ficadica
E falando em azia, eu deveria parar de assistir os telejornais da manhã.
Não
por conta dos colegas de profissão – quem está com água até o joelho,
com um microfone na mão, sonhando com um banho de anti-séptico para
espantar a leptospirose, há muito deixou de transpirar otimismo. Mas por
conta das entrevistas dos governantes que alternam pedidos de
pensamento positivo pelas vítimas das chuvas e para que chova nos
reservatórios secos que abastecem cidades como São Paulo e Rio.
Isso
sem falar nas barragens secas de hidrelétricas, sob responsabilidade do
governo federal, que ameaçam colocar mais apagões elétricos na cesta de
desgraças de 2015 – que já começa cheia.
Além de falar besteira ou sumir do mapa, há outras opções:
–
O governante aceita que não há muita coisa que fazer, assumindo que
catástrofes e mudanças climáticas são inevitáveis, tornando-se um
gerente de crise, contando mentiras e meias-verdades que nem ele ou sua
equipe acreditam;
– O governante encara de frente o problema na
época das vacas gordas, tendo como referência sempre o pior que pode
acontecer. E o que é o pior neste caso: muita água onde não deveria
haver e pouca onde deveria ter. Situações díspares separadas, não raro,
por apenas alguns poucos quilômetros.
Quer saber como reconhecer um político que administra segurando a bandeira do otimismo e não a da Lei de Murphy?
Simples,
é aquele que diz “a chuva, este ano, veio acima do esperado” ou “a
chuva, este ano, veio abaixo do esperado''. Todos os anos.
O
correto seria ele dizer que a “chuva, este ano, veio acima/abaixo do
limite que a gente torcia loucamente para ser respeitado e, agora,
danou-se”.
Lembro de um meteorologista dizer a um repórter uma vez:
“Colocam
a culpa na meteorologia, mas nós avisamos com antecedência. Se os
governantes não tomarem providências, todo ano vai ser a mesma coisa:
enchentes, carros boiando, deslizamentos''. Ou falta d'água, no caso do
Cantareira ou do Paraibuna.
E não se está falando de sistemas de
alertas e sim de políticas de habitação decentes, saneamento, contenção
de encostas, dragagem de rios, limpeza de vias, campanhas de
conscientização quanto ao lixo – no caso de excesso de água.
E, ao
mesmo tempo, ações para redução da perda de água em sua distribuição,
construção de mais reservatórios, ação para educação da população quanto
ao uso do recurso – no caso de sua falta.
Falhas, ou melhor, omissão, neste caso, custa qualidade de vida e um “foi mal, aí, não tinha como antecipar” não resolve.
Não
precisamos de governantes federais, estaduais e municipais otimistas,
que acreditam na possibilidade de controlar as chuvas, ou de
administradores religiosos, que rezam por uma forcinha dos céus,
terceirizando a responsabilidade para o Sobrenatural.
E sim de
gente realista, que tem o perfil de alguém que espera sempre o pior e
age preventivamente, não culpando as forças do universo pelo ocorrido,
muitos menos a estatística e a meteorologia.